“O pilar de um país é a cultura, mas no nosso país é o pilar mais frágil”
A Insustentabilidade de Ser Músico em Portugal

“Os aplausos não pagam dívidas nem colocam comida na mesa”. Há 5 anos que os artistas pedem 1% do Orçamento de Estado para a Cultura. Atualmente, a Cultura recebe 0,43% do Orçamento.
Este valor tem impacto direto na vida daqueles que querem viver da música.
São forçados a procurar alternativas de modo a sustentar este sonho.
Ricardo Neiva
Jéssica Ângelo
Vicente de Sousa
Nunca Mates o Mandarim
Geração 2000
Estes são alguns dos artistas que sentem na pele, nas vozes, e nos seus instrumentos as dificuldades de vingar na música em Portugal.
O consumo de música é uma das atividades culturais com mais participação
entre os portugueses.
Porém, a música é “claramente entendida como a atividade cultural mais dispendiosa”, segundo o relatório Barómetro da Cultura 2023, do Gerador.
“Portugal ainda não é um país para artistas. É um país que vive da cultura, mas que não a valoriza”.
Quem é Quem
Vou viver
Até quando eu não sei
Que me importa o que serei?
Quero é viver
Ricardo Neiva no Duelo Final da Primeira Eliminatória do All Together Now (2021).
Foi com a música de António Variações que Ricardo Neiva surpreendeu os jurados do All Together Now. O Ricardo quer viver da música, pois já dizia o seu professor de piano que ele respirava música por todos os poros que tem no corpo. Nunca mais esqueceu esta frase, e, de certa forma, este foi o clique que o Ricardo precisava para seguir o seu sonho.
O jovem cantor de 26 anos conta que a música está presente na sua vida desde pequeno. Porém, soube desde muito cedo que ser músico não é uma profissão que lhe garanta estabilidade. É licenciado em “Música na Comunidade” pela Escola Superior de Educação. Dá aulas de música, de piano, de coro, de canto, de iniciação musical e iniciação de teatro musical. Está ligado a projetos sociais que envolvam a música.
“Tento encontrar projetos em que a música tenha espaço e que ajude a transformar ou a melhorar alguma realidade”.

Ricardo Neiva
Ricardo Neiva
Para além de ser professor, Ricardo está ligado ao Batuque, um projeto criado em 2012 com o objetivo de dinamizar atividades culturais através da música, em Marinhais, ocupando o cargo de coordenador deste projeto.

Ricardo Neiva no All Together Now.
Ricardo Neiva no All Together Now.
O seu caminho na área da música começou com a sua primeira banda, os Reckless Cocaine. Aos poucos Ricardo percebeu que não se identificava com o tipo de estilo que caracterizava esta banda e acabou por abandonar o projeto, porém confessa que “foi incrível para o meu crescimento, foi o meu primeiro projeto a sério”. Depois, o cantor criou o projeto Five, a sua banda de originais que já têm dois trabalhos editados. Entretanto cada um dos elementos acabou por seguir o seu caminho e Ricardo focou-se na sua carreira a solo. Recorda esta banda com nostalgia e com vontade de um dia se poderem voltar a reunir. Atualmente está focado em lançar o seu projeto a solo.

Five
Five

Jéssica Ângelo
Jéssica Ângelo
Jéssica Ângelo divide-se em duas paixões: a música e o jornalismo. Tem 21 anos e está a tirar mestrado em Jornalismo. A música ocupa um espaço muito grande no seu coração e por isso mesmo entrega a sua alma quando canta.
Love is a temple, love, the higher law
Aos 3 anos já cantava. “A minha mãe diz que eu comecei logo a cantarolar, na creche não me calava”. A jovem considera que desde que se conhece que é música e que esta arte está intrinsecamente enraizada na sua família, visto que, a sua mãe e a sua irmã, em tempos passavam os fins-de-semanas em karaokes. Jéssica conta que, apesar de na altura a família estar a passar por uma fase complicada, a música foi um refúgio tanto para ela como para a família.
“Cresci num ambiente com muita música brasileira, africana, portuguesa. Cresci a ouvir Zeca Afonso, Amália também. Cresci com muita música e num contexto, eu acho, de música muito rica.”
Jéssica recorda que foi a partir dos seus 6 / 7 anos que começou a ter uma ligação mais concreta com a música com a sua primeira atuação ao vivo nos karaokes. Esta experiência ajudou-a a ganhar um à vontade com o público, mas acima de tudo na “minha libertação em termos expressivos e artísticos a cantar com muito público”.
Aos 9 anos participou no programa Uma Canção Para Ti, sendo esta a sua primeira experiência em televisão. A verdade é que a sua trajetória em programas de televisão não terminou neste programa. A jovem passou pelos Ídolos Kids, e por duas edições do The Voice.
Com 14 anos formou a sua primeira banda com o seu namorado e o seu cunhado. “Nós começamos por criar uma banda de acústicos e depois começamos a compor músicas”. O projeto acabou por ficar em stand-by, embora pense no futuro voltar a reunir a banda e inclusive apostar em algumas das músicas originais, pois acredita que estas têm potencial, e “quem sabe potencial para um Festival da Canção”.

Stroice
Stroice
O teatro também ocupa um espaço no seu coração. “Estive até há bem pouco tempo numa companhia de teatro, o Teatro Carlos Sabatoni a fazer teatro revista. Estreei-me há cerca de 2 anos a fazer este tipo de espetáculos”.

Jéssica Ângelo na Revista.
Jéssica Ângelo na Revista.
Jéssica confessa que neste momento a música acabou por ficar um bocado de lado devido à falta de tempo para se dedicar a 100%. O mestrado e o trabalho temporário aos fins de semana num restaurante ocupam a maior parte do seu tempo. Porém, pontualmente, tem alguns concertos com os seus colegas do The Voice de 2016.
Vicente de Sousa tem 26 anos e é guitarrista de duas bandas: uma banda de covers e uma banda de acústica. Foi um dos formadores da banda Reckless Cocaine, onde Ricardo Neiva foi em tempos vocalista.
Esteve envolvido em outros projetos musicais, nomeadamente noutras bandas de covers, mas também colaborou num tributo aos Scorpions e fez parte da banda de um cantor romântico.
Foi ao som de Estranged dos Guns N' Roses que Vicente percebeu que a música não era só um hobbie. “Eu viciei nessa música. O sonho começou a crescer e lembro-me de estar a ouvir os solos, a vê-los no videoclip a tocar nos estádios cheios e a pensar “quero fazer isto””.
À semelhança de Ricardo e Jéssica, Vicente também não consegue viver apenas da música. É mecânico a tempo inteiro, e apesar de ter como objetivo um dia fazer disto profissão, neste momento a falta de tempo não lhe permite ter a música mais presente na sua vida.

Vicente de Sousa
Vicente de Sousa
"Domingo", a primeira música escrita pelos Nunca Mates o Mandarim.
Domingo. O baixista João Campelo, de 20 anos, criou este instrumental. Enviou ao amigo, vocalista e guitarrista João Amorim, de 23 anos. Surgiu então a letra. O guitarrista Manuel Dinis, de 20 anos, amigo do baixista, juntou-se à banda.
Banda criada. Faltava nome. Nunca Mates o Mandarim. Nome escolhido. Origem? “Tínhamos nomes muito maus. E como as letras iam buscar um pouco de inspiração tanto ao Saramago como ao Eça, gostava que fosse uma referência. Então optei pelo livro Mandarim do Eça de Queirós e escolhemos a penúltima frase do livro que é Nunca Mates o Mandarim”, explica o vocalista.
De uma forma ou de outra, a música esteve sempre presente na vida destes jovens. João Amorim apostava em projetos a solo, embora tenha confessado que deixou de investir tanto nesses projetos porque não sentia que era algo sério. João Campelo teve uma banda de covers e sempre apostou em projetos a solo, “mas nada publicado, é só por brincadeira mesmo”. Manuel tocava em eventos com amigos e chegou a gravar alguns projetos em colaboração com um artista produtor.
Os Geração 2000 já tiveram vários nomes e vários elementos. Criada em 2011, a banda começou por se chamar Escola de Rock da Sociedade Recreativa da Granja. Neste momento, os Geração 2000 tem 5 elementos: o vocalista Rodrigo Marinho, o baterista Miguel Rodrigues, os guitarristas Tiago Belfo e João Rodrigues, e o baixista Guilherme Neto.
Têm outros trabalhos fora da música, alguns ainda estudam como é o caso do Miguel, do Tiago e do Guilherme, que encontram nas áreas de gestão de sistemas de informação, artes visuais e tecnologias, e no marketing digital os seus planos B’s. Rodrigo está ligado a diversas áreas da arte: é ator, locutor, dá aulas de teatro, e faz pontualmente trabalhos como voz off para anúncios de televisão, rádio e internet. João Rodrigues é técnico de audiovisuais e confessa que não consegue sair desta área, tal não é o gosto.
Todos os elementos da banda têm formação musical e já estiveram envolvidos noutros projetos, como é o caso do Guilherme Neto que tocou trompa durante 2 anos na Orquestra de Vialonga.

Geração 2000
Geração 2000
As Amarras de Um Contrato
Jéssica Ângelo já esteve agenciada, porém a experiência não foi a melhor. A cantora agenciou-se um pouco antes da sua estreia no The Voice de 2016, e conta que na altura a agência prometeu-lhe o mundo. Isso não aconteceu. “Fiquei impedida de fazer muita coisa musical porque caí na asneira de assinar contrato com uma pessoa que me prometeu mundos e fundos, e assim que eu saí do programa em 2016 não vi nada do que esperava acontecer, e acabei por ficar dos 15 até aos 18 anos sem poder fazer grandes coisas”.

Jéssica fala das limitações do agenciamento.
Jéssica fala das limitações do agenciamento.
Jéssica conta que o contrato com essa agência acabou por a prejudicar um pouco no próprio percurso do programa em 2016. “Acho que sinceramente prejudicou-me nessa altura, não andei para a frente com outras coisas, e não se abriram portas por isso mesmo”.
Depois dos constrangimentos e da má experiência que teve, Jéssica não quis mais contratos com agências. Contudo, não coloca de parte essa hipótese no futuro, com uma condição: ter a sua voz e o seu próprio estilo musical, que segundo a cantora, pode não ser um único estilo.
“Acho que em Portugal temos vozes impecáveis, mas eu acho que há um nicho muito específico de um certo estilo, até a nível de aparência que tu tens de ter, a nível de redes sociais, a forma de comunicares, e as próprias músicas que se formos a analisar, também são todas dentro do mesmo padrão”.
A cantora não prescinde da sua liberdade e identidade como artista. “Se me fosse agenciar com alguém teria que ser com uma produtora que realmente eu visse que valia a pena e, que houvesse uma liberdade para eu ser a Jéssica e para eu ser a artista que eu quero ser, e que não me cingisse a uma única coisa”.

Five nas gravações do videoclip "Dona da Razão".
Five nas gravações do videoclip "Dona da Razão".
Apesar de estar dedicado a 100% na sua carreira a solo, Ricardo não está agenciado, mas considera cada vez mais a hipótese de procurar uma agência. Com o lançamento do novo single “Demais”, o cantor apostou numa equipa de assessoria de imprensa na promoção do seu single. Porém, em relação ao agenciamento, Ricardo sonha com a possibilidade, mas o seu foco é construir uma carreira mais coesa, nomeadamente na questão da sua identidade musical, que ainda não está totalmente definida.
“Uma agência daria jeito para me conseguir dar mais oportunidades e mais concertos, principalmente porque sinto que este projeto está a demorar um bocadinho de tempo e posso estar a falhar em alguma coisa. Acho que preciso de alguém que me diga o que é que está a falhar, mas isso não depende inteiramente de mim”.
Vicente também não está agenciado e nunca esteve envolvido com uma agência. Considera a possibilidade de se agenciar, mas a oportunidade ainda não surgiu. O músico acredita que o facto de estar agenciado pode ajudar a nível financeiro, pois enquanto artista independente todos os gastos que têm, nomeadamente na produção de músicas, caiem apenas sobre ele.

Nunca Mates o Mandarim
Nunca Mates o Mandarim
A banda Nunca Mates o Mandarim acham que o agenciamento não é a principal prioridade e salientam que “caso nos surgisse uma oferta que nos permitisse manter algum controlo criativo e financeiro, acho que não nos oporíamos”, diz o vocalista.
Para a banda, a questão da marcação de concertos é algo que os preocupa mais seriamente, pois encontram dificuldades em sair da zona do Porto e confessam que futuramente vão procurar ajuda por parte de uma agência.
À semelhança destes artistas, os Geração 2000 também não estão agenciados. Porém, estiveram perto de o ser e essa decisão ainda está a ser ponderada pela equipa, pois consideram que um agente os pode ajudar, tanto a nível financeiro como a estabelecer contactos na área.
Os Geração 2000 falam sobre a dificuldade financeira em avançar com conteúdo musical, que vai desde arranjar um produtor - ao qual eles não consideram um problema -, mas sim nos custos associados à gravação em estúdio, que podem começar nos 200€.
“Muitos fãs pergunta-nos quando é lançamos originais, mas a verdade é que não têm noção dos custos em si de uma música. 200€ é só para a gravação e estamos a falar num estúdio acessível.”
A fraca aposta por parte das agências e produtoras nos novos artistas torna-se uma constante. Num mercado elitista, com padrões musicais e artistas com estilos semelhantes, a irreverência e a diversidade tornam-se algo difícil de valorizar num meio estandardizado. Sem ajudas financeiras, conhecimentos na área e uma equipa de comunicação, torna-se difícil para um músico, em especial para os novos artistas, poderem lançar-se e vingar na música.
A Ascenção ao Estrelato no Pequeno Ecrã
Se há algo que ajuda no impulsionamento de um artista em Portugal é, sem dúvida, a televisão. Programas de entretenimento ao domingo à noite são rituais regulares de muitas famílias portuguesas. Estes programas servem não só para o reconhecimento público, como de escola em vários sentidos.
Ricardo Neiva é já uma cara conhecida dos portugueses. Conhecemo-lo verdadeiramente no The Voice em 2017, e vimo-lo mais maduro a nível musical no All Together Now em 2021. O que muitos não sabem é que participou nos Ídolos, em 2015. Neste programa passou em várias fases, mas acabou por não vingar. A produção do programa também não passou nada relativo ao seu percurso, como se Ricardo nem tivesse participado. Isso desmoralizou um pouco o artista, que jurou ser o último em que participava.

Ricardo Neiva no The Voice em 2017.
Ricardo Neiva no The Voice em 2017.
Contudo, em 2017, vimo-lo forte e destemido no The Voice. Com a música Million Reasons de Lady Gaga virou as quatro cadeiras dos mentores, ficando na equipa de Marisa Liz. A partir daí, foi vê-lo voar e criar o seu próprio percurso musical.
Ricardo Neiva na Prova Cega no The Voice 2017.
Contudo, nem tudo foi um mar de rosas, e Ricardo confessa alguns momentos mais complicados.
“Eu apanhei de tudo, há muitos egos ali e eu sentia-me um bocadinho como um alien, porque eu só queria cantar. Eu sofro de ansiedade e durante essa altura foi um pouco complicado lidar com comentários menos positivos do público. Foi complicado, mas desafiante, estou grato pela oportunidade. Foi muito importante para a minha evolução enquanto artista e enquanto pessoa”.
Em 2021, Ricardo concorre ao All Together Now, aventurando-se num formato em estreia em Portugal, enfrentando um painel de cem jurados. Na primeira prova cantou a música Who Wants to Live Forever dos Queen.
Ricardo Neiva na Primeira Eliminatória do All Together Now (2021).
Ainda que o seu percurso neste programa lhe tenha valido muitos elogios, Ricardo admite que não se refletiram em oportunidades depois do programa terminar, graças à pandemia que atravessávamos na altura. “Houve muita coisa que não surgiu depois do All Together Now, mas surgiu em mim mais certeza que era isto que eu queria”.
O artista assume ainda que os programas foram uma escola para o seu percurso musical, fazendo-o conhecer melhor o meio.

Jéssica nas provas cegas no The Voice 2021.
Jéssica nas provas cegas no The Voice 2021.
Jéssica Ângelo é já veterana no que toca a programas de televisão. Estreou-se em 2011, no programa Uma Canção Para Ti com apenas 9 anos. Em 2012, passou pelo Ídolos Kids, e quatro anos mais tarde participou pela primeira vez no The Voice, regressando em 2020.
“Oh mãe, eu gostava tanto de estar ali”, disse a Jéssica de 8 anos à mãe enquanto viam Uma Canção Para Ti. Então no ano seguinte, a mãe inscreveu-a. Jéssica foi até às galas, sendo eliminada na primeira. E foi assim a sua estreia em televisão.
Como a experiência tinha sido tão boa, e Jéssica queria regressar à televisão, inscreveu-se no ano seguinte no Ídolos Kids.
Foi em 2016 que sentiu que estava na hora de regressar aos palcos do pequeno ecrã. Inscreveu-se no The Voice e lá foi ela, interpretando temas como Somebody to Love e Hallelujah.
Jéssica Ângelo nas Galas do The Voice (2016).
Mas, em 2020 percebeu que ainda tinha mais para mostrar. Quatro anos depois, torna a inscrever-se no The Voice, mostrando uma nova versão de si, mais apurada a nível musical.
Na prova cega, Jéssica conseguiu virar a cadeira de Áurea, António Zambujo e Diogo Piçarra, sendo que este último seria o seu mentor que a levaria até à Semifinal. No seu percurso cantou de tudo, desde A Gaivota, a Listen, e ainda I’ll Never Love Again.
Jéssica Ângelo nas Galas do The Voice (2021).
Todo este percurso em programas de televisão acabou por se refletir no presente de Jéssica, que olha para trás, principalmente para as duas edições do The Voice, como momentos de experiência, mas sobretudo de partilha e de aprendizagem. Admite ainda que estes programas lhe deram visibilidade a nível musical.
Jéssica salienta a importância dos programas na carreira de um artista.
O Mundo Digital como Aliado
As redes sociais estão presentes nas nossas vidas em todos os momentos. É, também, através delas que acompanhamos não só as vidas dos nossos amigos, mas também dos artistas (sejam de que área forem) que gostamos.
Todos os nossos entrevistados reforçam a importância de estar presente nas redes sociais. Para eles são muito mais do que um passatempo, um momento de descontração a fazer scroll numa app, mas sim um instrumento de trabalho. As redes sociais servem para marcarem a sua presença no seu meio, mantendo o público que já conquistaram e sempre em busca de atrair novos fãs.
Numa época em que viver apenas das vendas de CDs não é rentável, as redes sociais são uma aposta de negócio.
“Cada vez mais temos que estar próximos do nosso público, ser mais comunicativos e estar em todas as plataformas”, afirma Ricardo. Porém, as redes não são tudo. “Eu adoro que haja público nas redes sociais, mas também gostava que houvesse mais público nos meus concertos”.
Ricardo tem quase 4500 seguidores no Instagram, mais de 1000 subscritores no Youtube com vídeos com mais de 4000 visualizações. No TikTok tem menos seguidores, mas conta com vídeos com mais de 100 mil visualizações.

Ricardo Neiva num concerto em Ourém.
Ricardo Neiva num concerto em Ourém.

Vicente de Sousa num concerto no bar Knock Out.
Vicente de Sousa num concerto no bar Knock Out.
Também Vicente é da opinião que as redes facilitam a comunicação do seu trabalho. “Qualquer coisa que faças, se for publicitada nas redes sociais e se tirares proveito delas, é muito mais fácil de chegar a quem tentas chegar”.
Os Geração 2000 estão a apostar na criação de conteúdos para as redes sociais de forma mais regular, o que lhes tem permitindo aumentar as suas plataformas. Têm quase 900 seguidores no Instagram, aproximadamente 100 no Youtube, mas ainda assim com vídeos com mais de 900 visualizações nesta plataforma. Para eles, um post é a forma mais rápida de chegar a toda a gente.
A banda conta-nos a importância das redes no seu projeto.
A banda fala-nos da importância das redes sociais na promoção do seu trabalho.
Esperam um dia conseguir ter um espaço promocional em televisão, pois têm consciência que a divulgação nos meios de comunicação também é um grande impulso no crescimento de uma banda. “Minutos em televisão disparam e muito o número de seguidores, é uma loucura”, afirma Rodrigo Marinho. João Rodrigues reforça a ideia que a rádio não está morta em Portugal, mas que a maioria do que passa continua a ser internacional, referindo mais uma vez a necessidade da quota de música nacional nas rádios portuguesas. “Qualquer quota é insuficiente, mas o dinheiro é que manda. Temos muita música boa, mas pouco conhecida porque não existe espaço para a oportunidade”.
Já Jéssica afirma não ter uma presença muito ativa nas redes, confessando que é capaz de ficar dias sem este lado social. Ainda assim, e também graças à participação nos vários programas, conta com quase 5000 seguidores no Instagram, e vídeos de ambas as edições no The Voice com mais de 420 mil visualizações.
Contudo, Jéssica aponta um lado diferente das redes sociais – o facto de estarem a estandardizar aquilo que acabamos por consumir. “Acho que as redes sociais são boas quando propagam diversidade musical. Por um lado, vês muita gente com o mesmo estilo a cantar da mesma forma, mas por outro tens várias pessoas com estilos diferentes que alimentam a pluralidade”.
Além disso, sendo estudante de jornalismo e estando ligada ao meio, aponta ainda uma certa culpa dos média sobre a projeção que é dada sempre aos mesmos artistas, não fomentando a diversidade do panorama musical português.
Mas, de entre os entrevistados, os Nunca Mates o Mandarim foram aqueles que tiveram uma história mais fora do comum. Em setembro do ano passado, publicaram o seu primeiro vídeo no TikTok.
O primeiro TikTok da banda teve um grande alcance no lançamento da banda.
Este vídeo teve um grande alcance que lhes rendeu, entretanto, quase 20 mil visualizações.
“Não estávamos à espera deste impacto. Tivemos muita sorte com os algoritmos”, confessa João Amorim. “Também tivemos sorte com o Spotify que colocaram duas músicas nossas em playlists de música nacional”.
O guitarrista da banda, Manuel Dinis, acrescenta que toda a ajuda das redes é bem-vinda numa banda em fase de crescimento. “Se houve 50 pessoas que até foram ouvir a música por causa do TikTok, para nós já é bom”.
A banda também conta com mais de 4000 ouvintes mensais no Spotify.
Lisboa, Menina e Moça: a Cidade das Oportunidades
Perguntamos aos nossos entrevistados se o local onde moram e trabalham impulsiona as suas carreiras musicais, ou se, por outro lado, impõe mais limitações.
Ainda que tenhamos falado com artistas de vários pontos do país (Vialonga, Marinhais, Almada e Porto), as respostas acabaram por convergir todas na mesma direção – estar ou não perto de Lisboa.
A capital do nosso país é vista como o lugar onde estão as oportunidades culturais, neste caso no ramo da música. Por mais que os locais de origem destes artistas possa impulsionar o desenvolvimento das suas carreiras, o objetivo é sempre Lisboa. Mas o céu é o limite.

Vicente de Sousa em concerto na Glória do Ribatejo.
Vicente de Sousa em concerto na Glória do Ribatejo.
Vicente toda a vida viveu em Marinhais, mas tudo o que faz como guitarrista é para os lados da capital, tendo sempre que se deslocar, enfrentando uma hora de viagem de carro cada vez que é preciso. “Tudo para poder ter mais ofertas de trabalho, e encontrar com quem trabalhar”, afirma.
Também de Marinhais, Ricardo Neiva tem noção que é em Lisboa que as oportunidades são criadas. O trabalho a fazer fora de Lisboa acresce na medida em que têm de ser os próprios artistas a criar essas oportunidades. “Temos de começar a descentralizar as coisas porque podem haver outras oportunidades fora da grande cidade. Estar aqui limita-me de uma forma, mas dá-me outras coisas, mais inspiração que Lisboa. Dá-me mais garra para conseguir atingir outros objetivos”.

Five num concerto em Benavente.
Five num concerto em Benavente.
Também de Marinhais, Ricardo Neiva tem noção que é em Lisboa que as oportunidades são criadas. O trabalho a fazer fora de Lisboa acresce na medida em que têm de ser os próprios artistas a criar essas oportunidades. “Temos de começar a descentralizar as coisas porque podem haver outras oportunidades fora da grande cidade. Estar aqui limita-me de uma forma, mas dá-me outras coisas, mais inspiração que Lisboa. Dá-me mais garra para conseguir atingir outros objetivos”.
A banda da Invicta, Nunca Mates o Mandarim, diz que no Porto o meio artístico acaba por funcionar de uma forma um pouco diferente. “No Porto é mais difícil, e é uma arte que vive do mecenato e também dos contactos. Eu acho que se fossemos de Lisboa talvez fosse mais fácil pela abundância de oferta que há”. Contudo, já atuaram em Lisboa, no passado mês de março na Fábrica Braço de Prata, estreando-se na capital. Este contacto teve de ser feito pela banda, exatamente por serem de longe e pela necessidade de se darem a conhecer além Porto.

Nunca Mates o Mandarim na Ribeira do Porto.
Nunca Mates o Mandarim na Ribeira do Porto.
Os Geração 2000 acabam por não se queixar, até pela proximidade geográfica a Lisboa, mas reforçam que o facto de ensaiarem na Sociedade Recreativa da Granja lhes impulsionou muito o crescimento. Guilherme Neto, baixista da banda, afirma que o facto de ensaiarem na sala de espetáculos da Sociedade é muito bom, na medida em que muitas outras bandas não têm sítio para ensaiar ou então ensaiam em garagens, sem material de som.

Geração 2000 num concerto em Vialonga.
Geração 2000 num concerto em Vialonga.
“Além disso, Vialonga acaba por ser uma espécie de fábrica de artistas, o que pode ser uma motivação e até impulsione a nossa carreira”, relembra Rodrigo.
Jéssica é a única que não refere a proximidade a Lisboa, afirmando que a cidade de Almada mexe muito a nível cultural. “Não é elitista em termos de cultura e vão à procura de novos nomes, novas pessoas, jovens talentos e outros artistas que não sejam tão conhecidos, procurando dar-lhes voz”.
Eis um vídeo de uma atuação da banda de Jéssica, os Stroice, aquando dos festejos do 25 de abril em 2020 em Almada. A autarquia não quis deixar de celebrar a data emblemática com os artistas da terra, fazendo as celebrações em eventos online devido ao confinamento.
Jéssica reforça que a Autarquia de Almada aposta na promoção dos artistas locais.
A Fragilidade Económica dos Sonhos
Segundo os dados disponibilizados pela plataforma Gerador, 75% da população residente em Portugal acredita que o Estado deveria investir mais em cultura e que “a saúde, a educação e a justiça são os três setores mais valorizados”.
No estudo “Barómetro da Cultura 2023”, realizado em parceria pelo Gerador e Qmetrics, foi possível perceber que as atividades culturais mais consumidas pelos participantes no estudo são ouvir música (97,7%), ver filmes (94,6%) e ver espetáculos de humor (75%).
Em relação ao consumo de música, 83,7% dos inquiridos ouvem música através da rádio e 72,2% ouvem através da internet, de forma gratuita. Apenas 19,5% compram música em suporte físico e digital, sendo que os mais jovens são quem mais paga por plataformas de streaming de música (31,2%).
Apesar do consumo de música ser uma das atividades culturais com mais participação, a música “é claramente entendida como a atividade cultural mais dispendiosa”. A maioria dos inquiridos assistiu a concertos através dos canais abertos de televisão, sendo que apenas 37,5% foram a concertos em festivais e 32,2% viram em salas de espetáculos.
A cantora Jéssica Ângelo acredita que o Estado podia fazer mais para apoiar os artistas, nomeadamente no aumento do Orçamento de Estado. Para Jéssica, a cultura devia de ser valorizada, tanto pelos portugueses como pelo governo. Em tempos pandémicos, a cultura foi a companhia de muitos portugueses e Jéssica lamenta que o governo não apoie nem valorize a cultura.
Ricardo lamenta não ter apoios financeiros para a cultura e acrescenta que existiu um apoio do Ministério da Cultura, mas que depois se veio a refletir em apoios apenas para fundações e a determinados estilos de música. “Os critérios desse apoio foram muito elitistas”, conclui Ricardo.
Porém, apesar de não ter apoios por parte do Estado, o cantor admite que “o programa financiado que esteve ligado à minha academia de artes foi muito importante e deveria de haver mais iniciativas assim”. Para Ricardo existem apoios para a cultura, mas o critério de seleção é sempre muito subjetivo, e de forma a colmatar essa falta de apoios, considera que devia de haver mais apoios das autarquias. “É um bocadinho complicado as pequenas autarquias investirem na cultura quando o orçamento é tao pequeno e a verba que é deixada à Câmara também não é muita”.
O guitarrista Vicente considera que a falta de apoios na cultura leva que não existam artistas que possam fazer a sua arte como trabalho principal, o que leva a que depois tentem encontrar outro trabalho de forma a sustentar-se. “Não podem arriscar deixar contas por pagar, ou passar fome por causa da cultura”.
Contudo, para ter o devido reconhecimento na área, Vicente depende dele e só dele, uma vez que considera que ao “viver num país que não apoia, nada acontece se não formos nós a fazer com que aconteça. O que me falta, depende de mim. Depende de melhorar no meu trabalho, publicitá-lo melhor, investir mais nele, porque não vejo nada que venha de fora que me possa ajudar”.
A banda portuense Nunca Mates o Mandarim conta que “se uma pessoa tiver que trabalhar 12 horas por dia não vai chegar a casa e vai fazer música por muita vontade que tenha”. Embora considerem a banda como um plano B, visto que os três elementos do grupo ainda estão a estudar, encontram imensos entraves para um dia dedicarem-se a 100% à música.
Para os Geração 2000, “a cultura é aquilo que faz uma sociedade crescer” e acrescentam que “o pilar de um país é a cultura, mas no nosso país é o pilar mais frágil”. A banda refere que lhes falta sobretudo dinheiro para terem o devido reconhecimento na área e poderem avançar com o projeto de originais, e sobretudo reconhecimento por parte dos meios de comunicação, nomeadamente as rádios e as televisões.
A Esperança de Um Novo Amanhã
Com todas as limitações que o ramo cultural, mais concretamente o ramo musical, pode ter no nosso país, especialmente para novos talentos, é importante não desistir nem do sonho, nem do objetivo. E nisso, os nossos entrevistados parecem muito focados e confiantes que o futuro lhes reserva mais oportunidades, continuando com esforço e dedicação atrás da sua grande paixão – a música.
Todos têm os seus projetos futuros, uns em andamento outros em fase de conceção.
É o caso de Vicente. Vai continuar nas bandas de covers em que está inserido, mas continuando a trabalhar no seu projeto de originais de rock português. “E com sorte viver disso”, disse entre risos.

Vicente de Sousa numa atuação recorrente no bar Knock Out.
Vicente de Sousa numa atuação recorrente no bar Knock Out.

Jéssica Ângelo numa atuação a solo.
Jéssica Ângelo numa atuação a solo.
Jéssica quer acima de tudo terminar o seu mestrado para depois ter tempo para investir de novo na música. “O importante é não parar de cantar. Cantar todos os dias, não deixar morrer o bichinho e não desistir”.
O foco de Ricardo Neiva é o grande concerto que terá em agosto, no palco principal das festas de Marinhais, dia 5 de agosto (sábado) às 23h, antes dos Karetus encerrarem a noite. Esta não é a primeira vez que atua nas festas da sua terra, tendo já passado por vários horários e vários palcos secundários. “É a prova que se formos persistentes e trabalharmos muito, conseguimos”.
Além disso, está a planear o lançamento de um novo single nos próximos tempos. Mas afirma que acabam por ser sempre processos mais morosos, porque enquanto artistas independentes e sem qualquer apoio financeiro tem de ser os próprios a investir.

Ricardo Neiva num concerto em Ourém.
Ricardo Neiva num concerto em Ourém.

Nunca Mates o Mandarim
Nunca Mates o Mandarim
Quem também está em processo de lançamento de músicas são os Nunca Mates o Mandarim. A banda contou que estão a preparar um pequeno EP de covers de música popular portuguesa em versão indie, sendo que ainda estão à espera de autorizações. Em todo o caso, se não for para um EP, serão para o Youtube.
E não ficam por aqui. No próximo ano querem lançar um álbum que já está a ser escrito e em fase de composição para gravar ainda este verão.
Os Geração 2000 já têm algumas datas anunciadas da sua nova tour, “Golden Years Tour”, fazer crescer aquilo que têm vindo a construir. Querem também apostar em originais e na criação do primeiro álbum. “A seguir Altice Arena, depois Estádio de Coimbra, depois Madison Square Garden. O céu é o limite”.

Cartaz da "Golden Years Tour" dos Geração 2000
Cartaz da "Golden Years Tour" dos Geração 2000
O céu é o limite.
E estes jovens querem viver.
Viver da música.
